13 de set. de 2010

CEMITÉRIO DE CERDAS

Felipe van Deursen.

Ele havia recém-voltado de uma viagem pela Finlândia com a namorada. Um mês de vodca, lagos e saunas. O melhor do mundo, a melhor das companhias. Relacionamento ainda fresco, cheio de vigor. Uma beleza. Foram às compras no mercado do bairro, ele havia prometido cozinhar. Pegou o talharim, os limões para o molho, o vinho. Ela pegou uma escova de dentes. "Já tava na hora, né? Melhor, deixo direto na tua casa." Ele gostou. Ela sorriu. Daquele jeito olhando para baixo e bagunçando o cabelo sobre a nuca que ele adorava.

A escova nunca foi usada. Ficou lá, na embalagem. Condor Júnior com estojo protetor para crianças de dentição frágil ou adultos de temperamento idem. Estojinho higiênico, um sucesso entre mães extremamente cuidadosas e moças exageradamente paranoicas com limpeza. Isso, paranoicas. Ou seja, as evidências estavam lá - naquela escova de dentes - que era um relacionamento condenado.

O artefato de plástico e cerdas que vão mais fundo entre os dentes testemunhou o fim de tudo. Mas ele fez questão de manter a escova ali, intacta, como um troféu, um lembrete preservado entre o plástico e o papelão, do seu fracasso, dramático e patético.

Nunca mais se viram ou se falaram, o que não foi nenhum grande trauma. A vida é assim, outras viriam, muitas vieram. E a sina da escova de dentes se manteve. Sempre que um relacionamento - fosse um flerte frívolo, uma pegada fixa, uma amizade-colorida, um namorico singelo ou um namoro - chegava à etapa do "vou deixar minha escova na sua casa", a coisa toda ia para o espaço em questão de dias.

Iam as garotas, ficavam as escovas. Macias e de cabeça pequena, cabo flexível, cabo duro, cabeça retangular, cabeça cônica, cabeça compacta; cerdas de pontas finas, arredondadas, cônicas, polidoras; em níveis diferentes, para gengivas sensíveis, elétricas com vibrações sônicas, com limpador de língua, de bochechas. Uma vasta coleção de escovas, cada uma delas com uma história com início, meio e fim. Um museu pessoal e higiênico de relacionamentos naufragados.

"Tá vendo essa? Curaprox ultra soft, é suíça. Coisa de profissional. Era de uma dentista, claro", contou a um amigo. "Cada tipo de escova revela a sua dona", filosofou, cheio de autoridade. "Colorida, infantil, macia? É uma moça mais família, 'para casar', mas com boas chances de ser chata e mimada. Cabo longo, cerdas mais ou menos gastas, sem caixinha? Ela é desencanada. Mas pode te chutar do dia para a noite", explicou.

Hoje as escovas, 32 ao todo, estão lá guardadas no armário do banheiro. Cada tipo é uma mulher e uma história. A única constante era o fim que aquelas adagas de cerdas representavam. Ele sabia disso. E não ligava. "A felicidade existe apenas na imaginação", lembrou. Simples assim. Até o dia em que ouviu da maluquinha de cintura fina que tinha voado em seu pescoço: "Vou deixar meu xampu na sua casa".

A primeira coisa que ele fez ao chegar no trabalho, no dia seguinte, foi buscar no Google: "Quantos tipos de xampu existem?".

Revista VIP

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